BACUARA
“Ser bacuara não é empreito comum, sequer é volição, sequer é objetivo, é pura descoberta, epifania grata, tudo nele vem naturalmente e tão necessariamente como o primeiro suspiro, aquele que se julga ter todo o saber decididamente não o é. Bacuara é luz entendida, jamais contemplada, é o círio permanentemente aceso contra o vigor de Éolo em apagá-lo. O bacuara apreende e muito, muito depois aprende e novamente apreende e assim em sucessivas pororocas centrifuga e fala.”
quarta-feira, 28 de julho de 2010
sábado, 24 de julho de 2010
sábado, 17 de julho de 2010
MULTA PARA TODOS
— Que é bom amar no campo, à tarde e a sós!
Depois continua:
— Que prefere o campo, porque nas salas do mundo não lhe é dado beijar a mão dela às largas! Que o campo é livre e as sombras dão refúgio!....
Por fim acrescenta:
— Que queria que os raios cintilantes os cingissem a ele só com ela, erguidos em êxtase, longe de quanto é vil...
(Quanto é vil, na gíria da poesia lírica, é o mundo real, a família, o trabalho, as ocupações domésticas, etc.).
Dispensamo-nos de citar mais estrofes lascivas.
Aquelas bastam para legitimar as seguintes observações:
Nenhum jornal publicaria semelhantes teorias em prosa;
Nenhum homem que as escrevesse ousaria lê-las a sua filha, sem gaguejar, e sem comer palavras;
Nenhuma senhora que por acaso as tivesse lido ousaria citá-las.
Como se consente então a sua publicação em verso? A higiene não é só a regularização salutar das condições da vida física; nela devem também entrar os factos da moralidade. Se é proibido que um monturo imundo ou um cão morto corrompam o ar respirável das ruas — porque há-de ser permitido que um poeta, com as suas endechas podres, perturbe o pudor e a tranqüilidade virgem?
Há uma postura da Câmara que impõe uma multa a quem pronuncia palavras desonestas: porque não há-de ser igualmente proibido publicar idéias desonestas?
Um ébrio, um pobre homem a quem se não deu educação, a quem se não pode dar leitura, a quem quase se não dá trabalho, diz uma praga numa rua, ouvida apenas de três ou quatro pessoas, e vai para a cadeia ou paga uma multa de 3$000 réis. Um poeta lírico, esclarecido, aprovado nos seus exames, empregado nas secretarias, publica num jornal de cinqüenta mil leitores em letra impressa, permanente e indelével, uma série de desonestidades, e é apreciado, cumprimentado no Martinho, indigitado para uma candidatura!
Pedimos pois:
Ou que seja permitido livremente dizer na rua e no jornal pragas e desonestidades;
Ou que a multa da Câmara Municipal seja aplicada a todos — e que tanto o ébrio que não sabe o que diz à esquina de uma rua, como o poeta lírico que escreve, com reflexão e rascunho duma semana, ao canto dum jornal, paguem os 3$000 réis à Câmara, um pela sua praga, outro pela sua endecha.
Nenhum homem que as escrevesse ousaria lê-las a sua filha, sem gaguejar, e sem comer palavras;
Nenhuma senhora que por acaso as tivesse lido ousaria citá-las.
Como se consente então a sua publicação em verso? A higiene não é só a regularização salutar das condições da vida física; nela devem também entrar os factos da moralidade. Se é proibido que um monturo imundo ou um cão morto corrompam o ar respirável das ruas — porque há-de ser permitido que um poeta, com as suas endechas podres, perturbe o pudor e a tranqüilidade virgem?
Há uma postura da Câmara que impõe uma multa a quem pronuncia palavras desonestas: porque não há-de ser igualmente proibido publicar idéias desonestas?
Um ébrio, um pobre homem a quem se não deu educação, a quem se não pode dar leitura, a quem quase se não dá trabalho, diz uma praga numa rua, ouvida apenas de três ou quatro pessoas, e vai para a cadeia ou paga uma multa de 3$000 réis. Um poeta lírico, esclarecido, aprovado nos seus exames, empregado nas secretarias, publica num jornal de cinqüenta mil leitores em letra impressa, permanente e indelével, uma série de desonestidades, e é apreciado, cumprimentado no Martinho, indigitado para uma candidatura!
Pedimos pois:
Ou que seja permitido livremente dizer na rua e no jornal pragas e desonestidades;
Ou que a multa da Câmara Municipal seja aplicada a todos — e que tanto o ébrio que não sabe o que diz à esquina de uma rua, como o poeta lírico que escreve, com reflexão e rascunho duma semana, ao canto dum jornal, paguem os 3$000 réis à Câmara, um pela sua praga, outro pela sua endecha.
BACUARA: José Maria Eça de Queiroz
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